Cada deputado gasta quase meio milhão por ano em passagens, escritório político, correios, diárias e divulgação

Notícia Geral

DO R7

Cada deputado gasta quase meio milhão por ano com o ‘cotão’ Alex Ferreira / Câmara dos Deputados

Eleitos para representar a população em um dos parlamentos mais generosos do mundo, os deputados brasileiros gastaram no ano passado em passagens aéreas, diárias, manutenção de escritório político, consultorias, divulgação da atividade parlamentar, contas de telefone celular e outros gastos um total de R$ 218 milhões. Dividindo o valor pelas 513 vagas de deputados, temos uma média de gastos de R$ 425 mil por parlamentar, quase meio milhão de reais. Os gastos são todos bancados pelo contribuinte e estão previstos na legislação brasileira. 

A generosa verba administrativa chama-se ‘cota parlamentar’, ou ‘cotão’, justamente pela sua envergadura. Além dela, os deputados recebem  salário de R$ 33.763, verba de gabinete mensal de R$ 97.116,13 (para contratar até 25 secretários parlamentares que ficam na Câmara ou no Estado de origem) e auxílio-moradia no valor de R$ 4.253 (caso não ocupem um apartamento funcional, que tem todos os gastos, como móveis, eletrodomésticos e toda a manutenção pagos pela Câmara). Além disso, têm ressarcimento total de gastos com saúde fora do ambulatório da Câmara e dois salários extras no início e fim de cada legislatura para despesas com mudança.  

Os dados da cota gasta em 2016 estão disponíveis no site da Câmara dos Deputados, mas para se chegar ao total gasto pelos deputados foi feito um levantamento por deputado e depois a soma. O levantamento foi feito pela reportagem do R7

O cotão

De acordo com os atos da mesa diretora da Câmara dos Deputados (43 de 2009 e 121 de 2013) os deputados brasileiros podem gastar entre R$ 30.788,66 e R$ 45.612,53 por mês em diversas atividades, como passagens aéreas para o parlamentar e assessores, manutenção de escritórios, consultorias, segurança particular, assinaturas de jornais e revistas, alimentação entre outros. O valor varia de acordo com o Estado de origem do deputado, já que envolve os deslocamentos (o menor é para parlamentares do DF  e o maior para os de Roraima) e é reajustado anualmente por índice de inflação. Todos os gastos precisam ser comprovados por meio de nota fiscal ou recibo. A prestação de contas é pública embora alguns documentos, como os que contém dados telefônicos, protegidos por sigilo, não sejam divulgados.  

O recordista de gastos no ano passado foi o deputado Hiran Gonçalves (PP-RR). No ano, ele gastou R$ 557.400,26. O total é superior a doze vezes a cota de R$ 45.612,53 destinada por mês aos deputados de Roraima. Mas, o deputado exerceu o cargo de vice-presidente da Comissão de Seguridade Social e Família, o que lhe dá direito, de acordo com ato 43 de 2009 da mesa diretora, a mais R$ 1.353,04 por mês, aumentado o seu cotão para R$ 46.965,57, que multiplicados por doze resultam em R$ 563.586,84. 

O deputado usou quase toda a sua cota para pagar os gastos do escritório político, entre R$ 3.799 e R$ 5.881 por mês, além de telefone, correios, passagens aéreas, alimentação, hospedagem, combustível, estacionamento e pedágios, aluguel de carros, segurança, divulgação de atividade parlamentar e consultorias e trabalhos técnicos. Apesar de ser um deputado de Roraima, o volume maior de gastos em 2016 não foi com passagens aéreas, que somaram R$ 98.152,03. E sim em divulgação da atividade parlamentar, que consumiu quase o dobro, ou R$ 160.390 no ano, com o valor de R$ 39.590 apenas no mês de maio. 

O parlamentar também gastou R$ 86.400 no ano com aluguel de carro. Alguns gastos têm os mesmos valores todos os meses, como R$ 4 mil mensais em segurança (execto em março, R$ 8.300 e dezembro, quando não houve esse gasto), e outros variam bastante, como o gasto com Correios, que chegou a R$ 7.769,19 no mês de setembro e foi de R$ 67,50 no mês de janeiro. 

A reportagem do R7 entrou em contato com o deputado Hiran Gonçalves. Ele defendeu a importância do cotão para o trabalho nas bases eleitorais. 

— Os gastos estão todos dentro da legalidade estabelecida pela Câmara e legítimos dentro da cota que nos dá a possibilidade de assistir à população do Estado. Porque se não [houvesse a cota] ninguém saberia o que nós fazemos. Por isso a divulgação é importante, para mostrar a atividade nas bases.

Questionado sobre o montante da verba em tempos de ajuste fiscal no País, e considerando que os parlamentares já recebem salário bem acima da média da população, além de verba para os funcionários, o deputado disse que apoiaria outro modelo de verba, desde que permitisse a divulgação da atividade parlamentar. 

— Não tenho nenhum problema de apoiar outro modelo. Se o parlamento brasileiro achar adequado mudar o modelo, não tenho nenhum óbice, contanto que se garanta a presença no Estado, a divulgação da atividade parlamentar, que é fundamental.

O parlamentar ressaltou que o gasto dos deputados de Roraima é mais alto do que de colegas de outros Estados justamente pelo preço das passagens aéreas. O deputado, inclusive, trabalha para aumentar a oferta de voos para Roraima e reduzir os preços das passagens. 

— Em 2016 aprovamos a criação de uma comissão externa para melhorar a malha área aumentando a frequência de voos a Brasília. Nós chegamos a pagar R$ 3 mil em uma passagem Brasília-Boa Vista, ida e volta, que é mais caro do que ir para Portugal, Miami, muitas vezes. Como temos atividade parlamentar grande temos que ir com muita frequência ao Estado, terminamos gastando muito com passagem aérea. É caro para os parlamentares e para a população que muitas vezes se desloca para tratamento médico.

Fiscalização

Apesar da transparência do sistema, a fiscalização interna desses gastos é frágil. Cabe ao Departamento de Finanças, Orçamento e Contabilidade da Câmara dos Deputados. Segundo a assessoria da Casa, a regularidade fiscal e contábil da documentação comprobatória é de responsabilidade do deputado. O departamento não tem controle sobre denúncias relativas à utilização da verba pelos parlamentares. Caso os técnicos identifiquem alguma irregularidade o fato é enviado diretamente ao deputado, que presta esclarecimentos internamente.

A dificuldade de fiscalização é um dos motivos apontados pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) para a redução do valor da cota. Além disso ele diz que o cotão foi criado pelos parlamentares “em um momento que eles não tinham coragem de tratar da sua remuneração”. No início de 2017, o valor da cota foi reajustado em 8,72%, referente ao IPCA acumulado desde o ano passado.