Durante reunião realizada nesta terça-feira (13) em Pequim, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva declarou que a parceria entre Brasil e China “nunca foi tão necessária”. Ao lado do presidente chinês Xi Jinping, Lula criticou guerras comerciais e tarifárias, defendeu a reforma da ordem internacional e reforçou o alinhamento político e econômico entre os dois países.
“Há anos, a ordem internacional já demanda reformas profundas. Nos últimos meses, o mundo se tornou mais imprevisível, mais instável e mais fragmentado. China e Brasil estão determinados a unir suas vozes contra o unilateralismo e o protecionismo”, afirmou Lula. Segundo o presidente brasileiro, “guerras comerciais não têm vencedores” e apenas prejudicam os mais vulneráveis ao redor do mundo.
A declaração ocorre no contexto de uma trégua de 90 dias firmada recentemente entre Estados Unidos e China para frear a escalada tarifária iniciada durante o governo de Donald Trump — que também afetou o Brasil, especialmente nas exportações de aço e alumínio. O governo brasileiro tenta, agora, negociar a redução ou extinção dessas tarifas adicionais.
Lula afirmou ainda que, apesar da distância geográfica, Brasil e China vivem o momento mais próximo de sua relação bilateral. “Não é exagero dizer que, apesar dos mais de 15 mil quilômetros que nos separam, nunca estivemos tão próximos”, destacou.
Xi Jinping: comércio livre e paz internacional
Em discurso anterior ao de Lula, o presidente Xi Jinping também ressaltou a importância estratégica da aliança com o Brasil. Ele criticou as disputas comerciais e defendeu o multilateralismo. “China e Brasil vão defender juntos o livre comércio e o sistema multilateral”, declarou.
Xi também mencionou a intenção dos dois países de atuar como mediadores para a paz na guerra entre Rússia e Ucrânia, embora a proposta sino-brasileira ainda não tenha sido colocada em prática. Segundo ele, a disposição das partes em retomar negociações — especialmente com a possibilidade de novos encontros na Turquia — é um avanço a ser acolhido.
Críticas às guerras e defesa da reforma da ONU
Durante o encontro, Lula voltou a criticar os conflitos armados em curso, com ênfase para a guerra na Ucrânia e o conflito em Gaza. Para o presidente brasileiro, superar os conflitos armados é essencial para o progresso global.
“O entendimento comum entre Brasil e China para uma solução política da crise na Ucrânia oferece uma base para um diálogo abrangente que permita o retorno da paz à Europa”, afirmou. Sobre o conflito entre Israel e o Hamas, Lula reforçou: “A humanidade se apequena diante das atrocidades cometidas em Gaza. Não haverá paz sem um Estado da Palestina independente e viável, vivendo lado a lado com Israel”.
Lula também defendeu a necessidade de uma reforma profunda na Organização das Nações Unidas. “Somente uma ONU reformada poderá cumprir os ideais de paz e direitos humanos consagrados em 1945”, completou.
Notas conjuntas e reconhecimento da política de “Uma Só China”
Após os discursos, Brasil e China divulgaram duas notas conjuntas. Uma tratou da guerra na Ucrânia, na qual os países expressaram apoio à retomada das negociações de paz e se colocaram à disposição para contribuir com os esforços diplomáticos.
A outra nota reafirmou pontos centrais da nova fase da relação bilateral, incluindo o combate ao protecionismo, o apoio ao livre comércio, parcerias em infraestrutura e segurança alimentar, além da necessidade de reformar a governança global.
O Brasil também reiterou seu compromisso com a política de “Uma Só China”, reconhecendo Taiwan como parte inseparável do território chinês. Para Pequim, a ilha é uma província rebelde, enquanto Taiwan se declara um Estado soberano com governo e constituição próprios.
Investimentos e acordos bilaterais
Durante a visita, Brasil e China firmaram 20 protocolos e memorandos de entendimento em diversas áreas, incluindo agricultura, ciência e tecnologia, estratégia aeroespacial e inovação. O governo brasileiro anunciou também cerca de R$ 27 bilhões em investimentos chineses em território nacional.
Os principais aportes incluem:
- R$ 6 bilhões da montadora GAC para expansão de operações no Brasil;
- R$ 5 bilhões da Meituan, gigante do delivery, que lançará o aplicativo Keeta e pretende gerar até 104 mil empregos;
- R$ 3 bilhões da estatal CGN para um polo de energia renovável no Piauí;
- R$ 5 bilhões da Envision para o primeiro parque industrial neutro em carbono da América Latina;
- R$ 3,2 bilhões da rede de sorvetes Mixue, que pretende gerar até 25 mil empregos até 2030;
- R$ 2,4 bilhões da mineradora Baiyin Nonferrous, que adquiriu a mina de cobre Serrote, em Alagoas.
Outros investimentos foram anunciados por empresas como DiDi (dona do 99), Longsys (semicondutores), além de companhias do setor farmacêutico. Há também acordos para a promoção de produtos brasileiros na China, incluindo café, cinema e moda.
Missão empresarial e foco no agronegócio
A delegação brasileira contou com a presença de 11 ministros, parlamentares, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, e cerca de 200 empresários. Um dos focos da visita foi ampliar a exportação de produtos agrícolas brasileiros à China — principal parceiro comercial do Brasil.
O ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, participou de reuniões para acelerar a redução de burocracias no registro de produtos biotecnológicos. Já representantes do agronegócio inauguraram um escritório em Pequim para facilitar a negociação e exportação de carnes brasileiras ao mercado chinês.
A ApexBrasil mapeou 400 oportunidades para expansão das exportações brasileiras à China, com destaque para setores como alimentos, bebidas, mineração, tecnologia e serviços. A aposta do governo é aproveitar a tensão comercial entre Pequim e Washington para ampliar a presença brasileira no mercado asiático.
Antes da chegada à China, a comitiva presidencial esteve na Rússia, onde Lula se reuniu com o presidente Vladimir Putin e reforçou o apelo por um cessar-fogo imediato na guerra na Ucrânia. A ofensiva diplomática tem como objetivo ampliar o papel do Brasil como agente global de diálogo, cooperação econômica e paz.