Em entrevista ao G1, a colombiana Yaneth Molina afirmou que quis explicar ao público os aspectos técnicos sobre o acidente que deixou 71 mortos, e mostrar como isso a afetou pessoalmente.
O acidente com o voo da Chapecoense, que tirou a vida de 71 das 77 pessoas a bordo, completa um ano em 29 de novembro. Dias antes, em 17 de novembro, Yaneth Molina, a controladora de voo do aeroporto de Medellín e última pessoa a ter contato com o piloto do avião, momentos antes da queda, lançará um livro contando em primeira pessoa a sua experiência na tragédia. A obra já tem nome: “Eu também sobrevivi”.
Em entrevista ao G1 por telefone, Yaneth explicou que o livro tem como objetivo dar forma ao que ela sentiu durante o acidente e depois, quando chegou a sofrer ameaças e a passar um período sem sair de casa.
Além disso, ela afirma que quis mostrar os bastidores – tanto técnicos quanto pessoais – ao público. “Quis dar forma em texto a toda a minha experiência, por causa de tudo o que as pessoas desconhecem sobre o que aconteceu por trás das notícias. Quis contar tudo.”
“Esse livro é uma catarse, uma maneira de expurgar todo esse medo e dor, e uma maneira de assentar a situação e seguir adiante.” – Yanet Molina
Escrito com a ajuda de seu marido, o também controlador de voo Carlos Acosta García, o livro já tem editora e data de lançamento marcada na Colômbia, mas a distribuição para outros países ainda não está definida. “No Brasil estamos coordenando com o cônsul brasileiro”, afirmou ela.
Experiência dolorosa
Com voz suave e pausada, sempre pensando alguns segundos antes de responder, Yaneth relembrou os acontecimentos logo depois do acidente, que comoveu tanto a Colômbia quanto o Brasil. Na tragédia, 19 atletas da Chapecoense e 21 jornalistas perderam a vida. O grupo estava a caminho de Medellín para disputar, no dia seguinte, a primeira partida da final da Copa Sul-Americana, contra o Atlético Nacional.
“Foi muito doloroso. Não queria sair de casa, chorava dia e noite, porque, além de tudo, as pessoas não entendiam o que tinha aconecido, a parte técnica do que havia feito”, afirmou ela. Yaneth disse que recebeu ameaças e temeu pela integridade física dela e de sua famíla. Apesar disso, afirmou que estava tranquila quanto à atuação que teve no acidente.
“Estava absolutamente segura de que fiz as coisas bem feitas, fiz tudo que era tecnicamente obrigatório e o que era humanamente possível”, disse Yaneth.
Ela ressalta que as investigações das autoridades corroboram sua atuação, incluindo o informe preliminar divulgado pela Aerocivil, a entidade de controle aeronáutico da Colômbia, em dezembro de 2016, e a investigação da polícia colombiana, que terminou neste ano. “Felizmente a polícia disse que fiz as coisas bem.”
Segundo o jornal colombiano “El Tiempo”, em agosto de 2017, os peritos da polícia que se debruçaram sobre as ações de Yaneth concluíram que ela “cumpriu com todos os procedimentos estabelecidos em seu manual de funções e que suas instruções não incidiram no posterior acidente da aeronave, que terminou batendo no Cerro Gordo”.
Mistério permanece
“Tenho 22 anos de experiência como controladora, e foi a primeira vez que passei por algo tão difícil. Nunca havia acontecido”, repetiu Yaneth ao telefone. “Sempre, em todos os momentos, vai ser difícil falar sobre esse assunto. Mas escrever o livro me ajudou muitíssimo a falar sobre o tema e enfrentá-lo.”
Porém, ela diz que um mistério sempre vai acompanhá-la. “Uma das coisas que ainda não entendo é por que a tripulação ficou calada, ou omitiu as informações sobre a emergência. Quando realmente emitiram o sinal de emergência, era praticamente dois minutos antes.”
Um especialista brasileiro ouvido pelo “Fantástico” em dezembro do ano passado explicou que as palavras usadas pelo piloto Miguel Quiroga não foram as previstas nas normas internacionais para efetivamente informar a Yaneth, na função de controladora do aeroporto de Medellín, o grau de seriedade da emergência.
De acordo com o relatório preliminar da Aerocivil, nove minutos antes de cair, o piloto do avião solicitou à torre de controle “prioridade” para a aterrissagem, por causa de “um problema de combustível”. Três minutos depois, mencionou pela primeira vez a expressão “emergência de combustível”. Passaram-se outros cinco minutos até que Quiroga disse que o avião estava “em falha elétrica total sem combustível”. Segundo o comandante Raul Francé Monteiro, professor de ciências aeronáuticas da PUC-Goiás, Quiroga deveria ter repetido três vezes a palavra “Mayday”, que é o código internacional para informar uma emergência.
Mesmo assim, menos de 20 segundos depois, Yaneth informa ao piloto que a pista está livre e operável, e que havia alertado os bombeiros. Quiroga então lhe pede “vetores”, e ela diz que não consegue informar os dados porque o sinal do radar se perdeu, o que, de acordo com Monteiro, se deve à pane elétrica. “Ela [Yaneth] tem o ponto onde ele está, mas ela precisa, por exemplo, saber em que altitude ele está, porque a região é montanhosa”, explicou o comandante ao Fantástico.
Durante o minuto seguinte, o piloto lhe informa o rumo e a altitude em algumas trocas de mensagens, e Yaneth lhe informa: “Você está a 8,2 milhas da pista”. Mas a aeronave LMI2933 não responde mais.
“Tratei de fazer tudo que estava ao meu alcance, tudo que eu podia fazer para ajudar, mas já era tarde demais. Se ele tivesse avisado antes, estaríamos escrevendo outras palavras .”