A investigação de corrupção e tráfico de influência no Ministério da Educação ganhou nesta sexta-feira (24) uma nova face. O Ministério Público Federal identificou indício de interferência do presidente Jair Bolsonaro na investigação. Dias antes do pedido de prisão, o ex-ministro da Educação Milton Ribeiro disse à filha que recebeu um telefonema do presidente, e que Bolsonaro lhe disse que tinha o pressentimento de que a Polícia Federal realizaria busca e apreensão na casa dele. O ex-ministro chegou a ser preso na quarta-feira (22) com outros quatro suspeitos de envolvimento em crimes com dinheiro da educação pública.
A manifestação do Ministério Público Federal é assinada pelo procurador da República Anselmo Henrique Cordeiro Lopes. No documento, ele informa ao juiz Renato Borelli, da 15ª Vara da Justiça Federal em Brasília, que as audiências de custódia dos presos na operação Acesso Pago tinham sido canceladas.
Horas antes, o desembargador Ney Bello, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, acolheu um pedido da defesa do ex-ministro da Educação Milton Ribeiro e mandou soltar todos os suspeitos.
Na manifestação, o procurador aponta “indício de vazamento da operação policial e possível interferência ilícita por parte do presidente da República Jair Bolsonaro nas investigações”. E faz referência a um áudio de Milton Ribeiro.
O diálogo a que o procurador se refere foi interceptado pela Polícia Federal no dia 9 de junho, às 18h59. Na gravação, de 3 minutos e 59 segundos, feita com autorização judicial, o ex-ministro da Educação conversa com a filha.
Segundo os investigadores, os dois falam sobre um telefonema que o ex-ministro teria recebido do presidente Jair Bolsonaro.
Filha: E você tá bom, pai?
Milton Ribeiro: Tô bem. As coisas estão caminhando. A única coisa meio… hoje o presidente me ligou… ele tá com um pressentimento, novamente, que eles podem querer atingi-lo através de mim, sabe? É que eu tenho mandado versículos pra ele, né?
Filha: Ah! Ele quer que você pare de mandar mensagens?
Milton Ribeiro: Não! não é isso… ele acha que vão fazer uma busca e apreensão… em casa… sabe… é… é muito triste. Bom! Isso pode acontecer, né? Se houver indícios né… mas, não há por que… meu Deus.
A filha tenta acalmá-lo e faz um alerta
Filha: Ah, pai! Não… essa voz não é definitiva… eu não sei se ele tem alguma informação. Eu tô te ligando no meu… Eu tô te ligando no celular normal, viu pai?
Milton Ribeiro, então, se apressa em encerrar a conversa: “Ah é? Ah, então depois a gente se fala então! Tá?
Os dois chegam a se despedir, mas a conversa continua por mais alguns minutos e Milton Ribeiro volta falar da conversa com o presidente Jair Bolsonaro.
Milton Ribeiro: Pressentimento… ele falava em pressentimento e tal… ele estava viajando para os estados unidos.
No relatório da Polícia Federal, os investigadores lembram que, no dia 9 de junho, o presidente Jair Bolsonaro desembarcou em Los Angeles, nos Estados Unidos, para participar da Cúpula das Américas.
Já no fim da conversa, a filha volta a pedir calma.
Filha: É, pai! A gente não tem nada a esconder… então…
Milton Ribeiro: Não mesmo.
A filha brinca com a possibilidade de o pai ser alvo de buscas.
Filha: Então… (risos) e boa sorte pra quem quiser fazer uma busca lá no 21 (risos).
Milton: (ininteligível) Eu fico pensando…
Filha: Ai meu Deus (risos). Não dá nem pra entrar naquele apartamento.
Os investigadores afirmam que não encontraram registros que confirmem a conversa narrada por Milton Ribeiro à filha. Os policiais dizem acreditar que o diálogo entre o ex-ministro da Educação e o presidente Jair Bolsonaro tenha ocorrido por meio de aplicativos de conversas que não podem ser interceptados.
A Polícia Federal diz que esta hipótese é fortalecida pelo diálogo entre Milton e sua filha, quando, informado por ela de que estariam conversando em uma chamada “normal” e imediatamente começam a se despedir.
A manifestação do Ministério Público também cita “indícios de interferência” na investigação da Polícia Federal “quando do tratamento possivelmente privilegiado que recebeu o investigado Milton Ribeiro, o qual não foi conduzido ao Distrito Federal (não havendo sido tampouco levado a qualquer unidade penitenciária) para que pudesse ser pessoalmente interrogado pela autoridade policial”.
O procurador diz que “a ausência de Milton Ribeiro perante a autoridade policial foi prejudicial ao livre desenvolvimento das investigações em curso, além de ferir a isonomia que deve existir no tratamento de todos os investigados”.