Filiado ao PCdoB, Eduardo Guimarães antecipou informação sobre condução coercitiva do petista; medida é criticada por entidades e mobiliza redes sociais
O juiz Sergio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, determinou nesta terça-feira a condução coercitiva (quando o cidadão é obrigado a depor) do blogueiro de esquerda Carlos Eduardo Cairo Guimarães, responsável pelo Blog da Cidadania, no âmbito de um inquérito que apura o vazamento de informações sigilosas da 24ª fase da Operação Lava Jato, a Aletheia, envolvendo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ele foi levado para a sede da PF em São Paulo para confirmar a fonte que lhe passou dados prévios da ação antes que ela fosse deflagrada, no início de março do ano passado.
Guimarães é investigado junto com outras pessoas por violação de sigilo funcional. “Diligências foram autorizadas com base em requerimento da autoridade policial e do MPF. Neste contexto, apura-se a conduta de agente público e das pessoas que supostamente teriam divulgado informações sigilosas e que poderiam ter colocado investigações em risco”, diz nota da assessoria de imprensa da Justiça Federal de Curitiba. Os detalhes do processo não foram revelados, porque ele tramita em sigilo de Justiça. Segundo o advogado Fernando Hideo, que defende Guimarães, além da condução coercitiva, Moro autorizou a apreensão de computadores, celulares e outros aparelhos que pudessem esclarecer como ele obteve os dados.
O defensor negou que Guimarães tenha, de posse das informações, ajudado investigados da Lava Jato a suprimir provas e classificou as medidas como “lamentáveis e arbitrárias”. Hideo invocou o direito de sigilo de fonte previsto no inciso XIV do artigo 5º, da Constituição — “é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional” —, para dizer que seu cliente não era obrigado a revelar a sua fonte.
A Justiça Federal ressaltou que apenas quem exerce a profissão de jornalista, “com ou sem diploma”, têm direito à proteção constitucional do sigilo de fonte. Segundo a nota, Guimarães não é jornalista e o seu blog é “veículo de propaganda política”. Eduardo Guimarães é filiado ao PCdoB e foi candidato a vereador na cidade de São Paulo nas eleições de 2016. Durante a campanha, Lula gravou um vídeo pedindo votos para ele. A tática não teve efeito, porque o blogueiro teve apenas 1.302 votos e não conseguiu se eleger. Além de blogueiro, ele também é comerciante.
Em texto enviado à imprensa, a força-tarefa da Lava Jato disse que há provas de que Guimarães “informou diretamente” alvos da investigação sobre medidas judiciais que seriam cumpridas na Aletheia, antes de publicar a matéria em seu blog. “Portanto, a diligência não foi motivada pela divulgação das informações à sociedade”, afirmou a nota.
O advogado de Guimarães repudiou as declarações, dizendo que, ao divulgar as informações, é “óbvio” que ele está exercendo a atividade jornalística. “Condicionar a qualificação de ‘informação jornalística’ ao conteúdo das manifestações não tem outro nome: é censura. Mais do que um direito individual do cidadão Eduardo, viola-se a garantia de acesso à informação de toda a sociedade, essencial ao estado democrático de direito”, afirmou o advogado.
Em seu site, Guimarães costumar fazer postagens críticas à Lava Jato alinhadas com a retórica dos partidos de esquerda que acusam a operação de abusos e espetacularização.
No início deste ano, Moro entrou com uma representação contra Guimarães na PF por ameaça depois que o blogueiro postou Twitter que os “delírios de um psicopata investido de um poder discricionário como Sergio Moro vão custar seu cargo, sua vida”.
Guimarães, por outro lado, protocolou uma denúncia contra o juiz na Corregedoria Nacional de Justiça, em março de 2015, contestando a prisão temporária de Marice Corrêa Lima, cunhada do ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto.
Para o advogado do blogueiro, neste caso do inquérito que levou à condução coercitiva de Guimarães, Moro deveria se declarar suspeito de analisar um processo contra alguém de quem já se queixou na Justiça.
Repercussão
A condução coercitiva do blogueiro foi alvo de controvérsia nas redes sociais — levou o nome de Eduardo Guimarães aos trending topics (assuntos mais comentados) do Twitter — e também fora delas.
Em nota, o Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo e a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) protestaram contra a medida. “A PF ataca a liberdade de imprensa e de expressão do blogueiro – a mesma PF que tem vazado informações seletivamente de acordo com os próprios interesses, sem levar em consideração os interesses da sociedade”. As entidades dizem, ainda, que a iniciativa “representa um terrível precedente, que coloca em risco um dos mais importantes princípios do jornalismo – garantir o direito da população à informação”.
A Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara, cuja liderança é formado por três petistas — o presidente, Padre João (MG), e os vices, Nilto Tatto (SP) e Paulo Pimenta (RS) — também emitiu nota condenando a ação. “Sérgio Moro não pode tomar as informações veiculadas no blog objeto de investigação. Além de violar o direito fundamental da liberdade de expressão e negar o sigilo de fonte, o juiz vale-se de sua posição para intimidades aqueles que denunciam a ilegalidade de suas práticas”, diz o texto.
Leia a nota na íntegra da assessoria de imprensa da Justiça Federal de Curitiba:
O senhor Carlos Eduardo Cairo Guimarães é um dos alvos de investigação de quebra de sigilo de investigação criminal no âmbito da Operação Lava Jato, ocorrida antes mesmo de buscas e apreensões.
Neste contexto, apura-se a conduta de agente público e das pessoas que supostamente teriam divulgado informações sigilosas e que poderiam ter colocado investigações em risco. Eduardo Guimarães não foi preso, mas conduzido coercitivamente para prestar declarações e já foi liberado.
Pelas informações disponíveis, o Blog da Cidadania é veículo de propaganda política, ilustrado pela informação em destaque de que o titular seria candidato a vereador pelo PCdoB pela a cidade de São Paulo. Juntos aos cadastros disponíveis, como ao TSE, o próprio investigado se autoqualifica como comerciante e não como jornalista.
As diligências foram autorizadas com base em requerimento da autoridade policial e do MPF de que Carlos Eduardo Cairo Guimarães não é jornalista, independentemente da questão do diploma, e que seu blog destina-se apenas a permitir o exercício de sua própria liberdade de expressão e a veicular propaganda político-partidária.
Não é necessário diploma para ser jornalista, mas também não é suficiente ter um blog para sê-lo. A proteção constitucional ao sigilo de fonte protege apenas quem exerce a profissão de jornalista, com ou sem diploma. A investigação, por ora, segue em sigilo, a fim de melhor elucidar os fatos.
Leia a nota na íntegra do advogado Fernando Hideo, que defende Eduardo Guimarães
A defesa repudia a nota oficial da Justiça Federal do Paraná, que, de maneira autoritária e contrariando o posicionamento do STF, pretende definir quem é ou não jornalista de acordo com juízos de valor sobre as informações e opiniões veiculadas em determinado meio de comunicação. Condicionar a qualificação de ‘informação jornalística’ ao conteúdo das manifestações não tem outro nome: é censura. No mais, é inquestionável que o fato em apuração (divulgação pública de uma informação) foi praticado no exercício de atividade jornalística. Pouco importa se ele também exerce a profissão de comerciante, é óbvio que ao divulgar publicamente estava se praticando atividade jornalística. Mais do que um direito individual do cidadão Eduardo, viola-se a garantia de acesso à informação de toda a sociedade, essencial ao estado democrático de direito.
Leia a nota na íntegra do MPF do Paraná
Nesta data, no âmbito da operação Lava Jato, foram executadas diligências policiais com a finalidade de aprofundar apurações relacionadas ao crime de obstrução da justiça. Dentre os motivos das providências, estão provas de que um blogueiro informou diretamente aos investigados a existência de medidas judiciais sob sigilo e pendentes de cumprimento. Esse vazamento para os investigados ocorreu antes mesmo da publicação das informações no blog, portanto a diligência não foi motivada pela divulgação das informações à sociedade. Além disso, as providências desta data não tiveram por objetivo identificar quem é a fonte do blogueiro, que já era conhecida, mas sim colher provas adicionais em relação a todos os envolvidos no prévio fornecimento das informações sigilosas aos investigados.
O Ministério Público Federal reforça seu respeito ao livre exercício da imprensa, essencial à democracia. Reconhece ainda a importância do trabalho de interesse público desenvolvido por blogueiros e pela imprensa independente. Trata-se de atividade extremamente relevante para a população, que inclusive contribui para o controle social e o combate à corrupção.
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