ENTENDA OS MOTIVOS QUE FIZERAM BOLSONARO DECRETAR 100 ANOS DE SIGILO

Notícia Geral

O governo impôs sigilo de cem anos sobre informações dos crachás de acesso ao Palácio do Planalto emitidos em nome de Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) e Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filhos do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

Em documentos públicos enviados à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid no mês passado, a Presidência da República informou a existência dos cartões de acesso ao Planalto dos dois filhos do presidente. O Planalto é a sede administrativa do governo federal.

A revista “Crusoé” solicitou, via Lei de Acesso à Informação (LAI), a “relação de filhos do Presidente da República que possuem ou possuíram cartões de identificação que dão ingresso às leitoras e vias de passagem do Palácio do Planalto e Anexos, acompanhada da respectiva data de emissão e de devolução do cartão de acesso entre 2003 e 2021”.

A Secretaria-Geral da Presidência respondeu impondo sigilo às informações. A secretaria alegou que as informações solicitadas dizem respeito “à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem dos familiares do Senhor Presidente da República, que são protegidas com restrição de acesso, nos termos do artigo 31 da Lei nº 12.527, de 2011″.

O dispositivo citado é o que impõe sigilo de cem anos para acesso público às informações: “as informações pessoais, a que se refere este artigo, relativas à intimidade, vida privada, honra e imagem terão seu acesso restrito, independentemente de classificação de sigilo e pelo prazo máximo de 100 (cem) anos a contar da sua data de produção, a agentes públicos legalmente autorizados e à pessoa a que elas se referirem”.

Juristas consultados pela TV Globo afirmam que o fato de Carlos e Eduardo Bolsonaro serem homens públicos – autoridades com mandato, respectivamente, de vereador e deputado federal – se sobrepõe ao fato de serem filhos do presidente. Por esse motivo, avaliam os especialistas, a Secretaria-Geral da Presidência deveria ter repassado as informações. No entanto, cabe recurso da decisão.

Nota

Em nota divulgada neste domingo (1º), a Secretaria Especial de Comunicação Social (Secom) da Presidência da República disse que a Lei de Acesso à Informação é quem “impõe o prazo máximo de 100 anos para restrição de acesso a informações pessoais de qualquer cidadão brasileiro”.

“A SECOM esclarece que a Lei prevê que o tratamento de informações pessoais deve ser feito de forma transparente e com respeito à intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas”, diz a Secom em nota. A secretaria ressaltou, ainda, que o pedido se encontra em fase de análise pela Presidência da República, em grau de recurso.

Nomes de quem visitou a primeira-dama Michelle Bolsonaro no Palácio da Alvorada, telegramas do Itamaraty sobre a prisão do ex-jogador Ronaldinho Gaúcho no Paraguai e de médico bolsonarista no Egito, a carteira de vacinação do presidente. É tudo sigiloso. Levantamento do Estadão mostra que entre 2019 e 2022 o governo Jair Bolsonaro impôs segredo de 100 anos a informações que deveriam ser públicas em ao menos 65 casos. Sob alegação de que os documentos continham informações pessoais, o governo rejeitou pedidos apresentados por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI) em 11 diferentes ministérios.

Com a campanha presidencial, o tema virou mote para atacar Bolsonaro. Seu principal adversário, o petista Luiz Inácio Lula da Silva, tem criticado a medida em programas eleitorais, entrevistas e debates. “Vou acabar com o sigilo dele no primeiro mês. Ele fez o decreto do sigilo e vou decretar o fim. Quem não deve não teme”, afirmou o petista durante evento no Rio neste domingo, 25.

Em abril, quando cobrado a revelar as visitas de pastores envolvidos no escândalo do Ministério da Educação (MEC), Bolsonaro reagiu com ironia: “em 100 anos saberá”. Em agosto, com a candidatura à reeleição na rua, mudou o tom. Numa entrevista, tentou justificar a necessidade de informações sobre visitas ao Alvorada não serem públicas e disse que “não deve satisfação a ninguém”.

Ao contrário do que diz Lula, Bolsonaro não editou decreto para impor o sigilo. Mas o segredo de 100 anos para os documentos relacionados a Pazuello fugiu de precedentes desde que a LAI foi sancionada, em 2011. Até o caso Pazuello, sindicâncias concluídas, incluindo de militares, podiam ser conhecidas por qualquer cidadão. Ao negar acesso a informações do general, o Exército usou como base o artigo 31 da LAI, que trata da proteção de dados pessoais e assegura sua preservação por uma século.

“Esse artigo serve para proteger civis e não pessoas públicas”, disse a coordenadora do programa de acesso à informação da ONG Artigo 19, Júlia Rocha. Para ela, esse é um dos abusos que vêm sendo cometidos pelo governo em relação à transparência. O Estadão identificou outros casos. Em junho de 2021, um cidadão quis saber quem estava organizando encontros religiosos com Michelle na Granja do Torto e os nomes dos convidados. O pedido foi negado pelo mesmo motivo. O cidadão recorreu. Quando o caso foi parar na Controladoria-Geral da União (CGU), o Planalto alegou que não tinha conhecimento de eventos públicos na Granja, só privados. Já a lista de quem entrou e saiu passou a ser classificada como reservada. Nesse caso, o sigilo caiu de 100 para cinco anos.

Na lista de informações protegidas por 100 anos há cinco pedidos ao Ministério das Relações Exteriores. Entre eles o acesso às mensagens diplomáticas sobre os ex-jogadores Ronaldinho Gaúcho e Assis, presos no Paraguai em 2020 por uso de passaporte falso, e também sobre o caso do médico bolsonarista Victor Sorrentino, detido no Egito sob acusação de assediar uma vendedora. Nos dois casos, o Itamaraty negou o acesso. “Documentos relativos à prestação de assistência consular contém informações pessoais relativas à intimidade, vida privada, honra e imagem e, portanto, são protegidos”, justificou.