Valor Econômico – O Maranhão é o estado com a maior proporção de pessoas em situação de extrema pobreza no Brasil. Dos 6,7 milhões de habitantes, 8,4% vivem com menos de R$ 200 por mês, segundo o Censo IBGE 2022. Outros 57,9% estão em situação de pobreza, com a renda de até R$ 637 por mês.
O Estado também é, historicamente, o que tem a menor renda média mensal, hoje em R$ 409 por habitante — com dados coletados em 2023, quando o salário mínimo nacional estava em R$ 1.320.
Entre todas as cidades do país, das quatro mais pobres, três são maranhenses. Nos municípios Matões do Norte, Primeira Cruz e Assunção do Piauí, a renda média mensal dos habitantes fica abaixo dos R$ 40, com R$ 27,17; R$ 34,97 e R$ 35,84, respectivamente. Estes dados são do estudo “Mapa da riqueza no Brasil”, da FGV Social, conduzido pelo pesquisador Marcelo Neri.
Ao Valor, Neri aponta que, além de ter a menor renda média mensal, o que indica uma baixa renda proveniente do trabalho formal no estado, o estudo também mostra que o Maranhão tem os menores índices de declaração de bens à Receita Federal.
Só 5,93% dos habitantes declararam o Imposto de Renda 2023 que, dentre outros requisitos, exigia a entrega ao Fisco quem teve rendimentos tributáveis de R$ 2,3 mil por mês no ano de 2022 — e, dentre os declarantes, o patrimônio médio foi de apenas R$ 6,3 mil, segundo o levantamento. “Poucas pessoas declaram porque a renda geral é baixa.”
“Isso tudo mostra que o Maranhão não só tem uma alta pobreza, como tem uma baixa riqueza. Essa relação não necessariamente é óbvia, poderia haver no estado uma classe média tradicional. Poderia haver muitos pobres, mas também muita gente com renda mais alta. Só que isso não acontece”, diz Neri, autor do estudo “Mapa da riqueza no Brasil”.
O que explica a pobreza do Maranhão?
Diante dos dados de renda coletados em seu levantamento, Neri aponta que, por ser fronteiriço, o Maranhão acumula características fortes das regiões Norte e Nordeste.
“Informalidade e ruralidade são características fortes de lá, que nos ajudam a entender esses dados. O Maranhão tem os dois lados da pobreza: do Nordeste, da velha pobreza brasileira, e do Norte, que é uma região rural, de muita floresta, do isolamento onde as distâncias são grandes”, diz.
Informalidade no Maranhão
Em outro estudo, chamado “A informalidade das relações de emprego e a atuação da inspeção do trabalho” (2010), a pesquisadora Mônica Damous Duailibe aponta que, após o final do século XIX, a pecuária e a produção em regime de economia familiar, direcionada para a subsistência, predominou na maior parte do estado. “A essas atividades agregaram-se o extrativismo, a criação extensiva de animais de pequeno porte, a pesca e o uso comum de recursos naturais para a reprodução das comunidades rurais”, escreveu.
Segundo a autora, projetos implementados pelo governo federal através da Superintendência para o Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), que tinha como objetivo o fomento do desenvolvimento industrial e do agronegócio a partir da intervenção ativa da União na concessão de incentivos fiscais e subsídios, a partir da década de 1970, geraram “intensa especulação fundiária no estado, o gradual fechamento da fronteira agrícola formada por terras devolutas e a expulsão dos pequenos trabalhadores rurais autônomos”.
Ainda de acordo com Mônica Damous Duailibe, benefícios fiscais visando o incremento do cultivo de produtos com elevado valor comercial foi a alternativa do governo estadual encontrada como contraponto à modernização agrícola, mas a produção familiar tradicional recebeu “tratamento desfavorável” na época, de acordo com o estudo, com repercussões diretas sobre a pobreza no campo e a estruturação do mercado de trabalho no estado.
“A estratégia adotada pelo governo estadual previa a disponibilidade das áreas mais produtivas para os grupos empresariais, enquanto aos pequenos produtores destinaram-se as terras menos favorecidas, inclusive quanto à disponibilidade de recursos hídricos”, diz o estudo.
Assim, foi se formando o cenário atual. “A destituição da posse de terras anteriormente ocupadas por pequenos trabalhadores rurais aliada ao seu deslocamento para zonas de menor fertilidade contribuíram para progressiva desarticulação da economia familiar de subsistência […]. Dessa forma, alterou-se a situação ocupacional desses indivíduos, que passaram de autônomos para eventuais assalariados”.
O economista Wagner Matos, da Control Risk Analytics e pesquisador associado da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), concorda com os pontos levantados. “Temos uma grande produção de soja, milho e algodão, mas a maioria da produção é exportada, o que gera taxas e impostos. Mas há dificuldade grande de alocar mão de obra no agronegócio, já que o serviço é altamente mecanizado”, diz.
Matos lembra que o estado tem mais beneficiários do Bolsa Família do que porcentagem de pessoas com carteira assinada. São 1,21 milhão de beneficiários do Bolsa Família no Maranhão, de acordo com dados do governo federal em dezembro passado. Por outro lado, o estado chegou ao fim do ano passado com 600 mil postos de empregos formais ativos, conforme o Novo Caged.
A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), do IBGE, indica que no ano passado que o Maranhão foi o estado com a maior taxa anual de informalidade, com 56,5% dos trabalhadores ocupados, mas sem carteira de trabalho e benefícios sociais. Há também alta taxa de subutilização da força de trabalho de 28,4% — que diz respeito ao percentual da população com 14 anos ou mais que estava desempregada ou trabalhando menos do que 40 horas semanais.
“Se não existisse o Bolsa Família, o estado estaria em situação mais complicada. Nosso problema maior é a gestão, que está voltada para a política, e não para o desenvolvimento econômico do estado”, critica Moura.