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Por Delmétrio Magnoli
Danilo Verpa/Folhapres
Temer acusa uma conspiração contra a Presidência -urdida, na falta de outra hipótese, pela Polícia Federal e pelo Ministério Público, com amparo de Edson Fachin. Janot acusa uma conspiração contra o sistema de Justiça, urdida por Temer. Quem tem razão? A resposta, deploravelmente, é: os dois.
A gravação clandestina de Joesley não possui valor legal, por não ter sido autorizada por um juiz. Mas foi admitida a priori por Fachin, que colocou Temer sob investigação. Segundo a versão oficial, o empresário-bandido não combinou a operação com a PF ou o MP, mas os termos de sua delação premiada, ainda mais brandos que os concedidos a Marcelo Odebrecht, induzem a uma suspeita razoável.
Se, de fato, a gravação foi uma armadilha montada junto a policiais e procuradores, o áudio converte-se em prova do crime de abuso de autoridade.
O vazamento à imprensa da informação sobre o áudio, obra óbvia de alguém da PF ou do MP, precedeu em um dia inteiro a divulgação, por Fachin, do inteiro teor da conversa. A informação vazada foi convenientemente apimentada, de modo a alcançar os explosivos efeitos políticos desejados.
De acordo com a versão inicial, Temer estimulava Joesley a pagar o silêncio de Eduardo Cunha. Mas o áudio fica longe de evidenciar uma deliberada ação conjunta de obstrução de Justiça. No mundo normal da democracia e do Estado de Direito, Janot deveria se sentar no banco dos investigados.
Qual é a motivação dos conspiradores da PF e do MP? Nutrem eles a ambição messiânica de “limpar o Brasil”, por cima da política, erguendo-se à condição de Poder Moderador? Ou, como sugeriu Temer, agem como representantes de corporações dispostas a tudo para proteger seus privilégios ameaçados pela reforma previdenciária? As duas alternativas, não excludentes, indicariam um grau trágico de degeneração institucional do país.
“A montanha pariu um rato”, proclamou Temer, revelando o mesmo descolamento da realidade que contamina tantos figurões da nossa república do compadrio e da propina. O diálogo entre o presidente e seu estimado bilionário só não provoca asco terminal em espíritos adormecidos por uma cepa incurável de cinismo político.
Ali está, na residência presidencial, à sombra da noite, em furtivo encontro não agendado, um bandido que narra os seus crimes presentes e anuncia crimes futuros a um interlocutor complacente, docemente enlevado. “Um rato”? Não seria, mais precisamente, uma dupla de ratos?
Se a gravação tivesse valor legal, ela provaria que Temer incorreu em crime de prevaricação, acumpliciando-se passivamente com pelo menos três atos de obstrução de Justiça. O presidente tinha o dever de dar voz de prisão ao bandido que, falando ou não a verdade, confessava a compra de um procurador, de um juiz e do silêncio de um potencial delator. No lugar disso, o que se ouve são murmúrios de aprovação, afagos amigáveis, sutis indícios de cooperação. “Rato”, você disse? Sim, a palavra apropriada talvez seja essa mesmo.
Na Justiça, se ela existe, o áudio será descartado. Mas, na esfera da política, tanto quanto no episódio de Dilma e Lula, o áudio permanecerá -junto a seu contexto. A delação da JBS menciona um histórico de propinas. Um certo Loures, célebre porta-valises do presidente, parece envolvido no mesmo tipo de transações com dinheiro vivo às quais se dedica um certo Aécio. Joesley, “rato” premiado com uma vida de prazeres em Nova York, não caiu do vácuo na garagem privativa do presidente. A montanha pariu o colapso do governo.
Temer tinha duas razões de ser: a estabilidade constitucional da transição e as reformas destinadas a salvar a economia das implicações do lulopetismo. Depois de Joesley, ambas dissiparam-se. O presidente, “repito”, não renunciará.
Os decentes, dentro e fora do governo, renunciarão a ele. O resto cabe ao TSE.