O Ministério Público Federal do Maranhão mandou abrir nesta segunda-feira uma investigação sobre as irregularidades apresentadas na reportagem Farra ilimitada, publicada na edição de julho da piauí. A reportagem mostra que o orçamento secreto, instrumento criado pelo governo de Jair Bolsonaro para comprar apoio parlamentar no Congresso, está bancando um festival de fraudes no Sistema Único de Saúde (SUS) – e continua a todo o vapor. Desde o início de julho, o esquema liberou até agora uma nova bolada de 300 milhões de reais. Isso significa que, neste momento, as prefeituras beneficiadas com os desvios estão com seus caixas abarrotados – e sem qualquer tipo de fiscalização. Melhor ainda: contando com o anonimato proporcionado pelo orçamento secreto.
Conforme o esquema revelado pela piauí, as prefeituras informam ao SUS que tiveram um crescimento exorbitante de consultas e exames de um ano para o outro, e os parlamentares em Brasília enviam a verba correspondente. Com isso, há cidades que passaram a receber mais de 27.000% em relação ao que lhes era remetido pelo SUS. A Polícia Federal já investiga a suspeita de que autores de emendas – que seguem de vento em popa – recebem propina para enviar a verba.
Como as fraudes, até onde se sabe, estão concentradas em municípios do Maranhão, o procurador Juraci Guimarães Junior, do MPF local, determinou a abertura de investigações nas dezessete cidades mencionadas na reportagem da piauí. Os 300 milhões liberados nas últimas três semanas foram todos destinados a municípios maranhenses. Somando-se esse valor, o total de verbas em saúde enviadas ao Maranhão por meio do orçamento secreto desde 2020 já chega a 1,2 bilhão de reais. “Não dá mais, não dá mais. Tá na hora de acabar com isso de vez”, apelou o senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR), ao discursar na tribuna nesta segunda-feira e mencionar as fraudes no SUS. Guimarães pediu o fim do orçamento secreto. “Está na hora de o Senado se dar ao respeito, de o Congresso se dar ao respeito, vamos pôr um basta definitivo a essas emendas. Isso é um escândalo.”
Mas já houve um avanço: o relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), Marcos do Val, retirou a proposta que tornava obrigatório o pagamento das emendas. A ideia surgiu diante da liderança de Lula nas pesquisas eleitorais. O deputado Arthur Lira (PP-AL), o presidente da Câmara que controla com mão de ferro 11 bilhões de reais do orçamento secreto, queria que o pagamento das emendas fosse impositivo para garantir o funcionamento do orçamento secreto mesmo no caso de uma vitória do petista em outubro. Diante da reação negativa da oposição, a manobra naufragou nesta terça-feira, dia 12.
Até esta terça-feira, 12 de julho, foram apresentadas quatro representações de parlamentares junto ao Tribunal de Contas da União (TCU) para que o caso seja investigado. Em uma delas, três parlamentares – o senador Alessandro Vieira (PSDB-SE) e os deputados Felipe Rigoni (União-ES) e Tabata Amaral (PSB-SP) – listam como indício de crime não apenas os números fictícios apresentados pelas prefeituras, mas também o fato de que alguns municípios entregaram dados distintos para o SUS e para o Tribunal de Contas do Maranhão, numa evidência de que as informações não são regulares.
Em outra representação, nove senadores e quatro deputados também pedem que o TCU abra uma “auditoria financeira e operacional” no repasse das emendas do orçamento secreto e alertam que o esquema “pode não se restringir ao estado do Maranhão”. Na representação, eles afirmam que “os recursos podem estar sendo aplicados em dissonância às diretrizes de saúde e com efetivo comprometimento com a superação de desigualdades regionais que, inclusive, é objetivo maior da República Federativa do Brasil e deve permear todas as políticas públicas de estado e de governo”.
O Psol pediu nesta terça ao Supremo Tribunal Federal a suspensão imediata do orçamento secreto. Os senadores Alessandro Vieira e Randolfe Rodrigues (Rede-AP) também pretendem fazer uma petição no STF com a mesma finalidade. O caso está nas mãos da ministra Rosa Weber, que suspendeu o orçamento secreto em novembro do ano passado, mas, no mês seguinte, atendendo a apelos de que a medida poderia prejudicar áreas essenciais – como a própria saúde –, voltou a liberar as emendas. Mas Weber apresentou uma recomendação: que o deputado Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, e o senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidente do Congresso, acabassem com o sigilo sobre os autores das emendas orçamentárias dando publicidade aos nomes. Até hoje, porém, o sigilo continua intocado.
O deputado Bira do Pindaré (PSB-MA), que pediu a abertura de investigação pela Procuradoria-Geral da República, quer uma abordagem urgente. “A indignação maior é saber que um monte de gente não consegue acesso a consulta, a um serviço básico, enquanto circula essa enxurrada de dinheiro. Isso aí causa uma profunda indignação.” O deputado Jorge Solla (PT-BA), além de assinar a representação de treze parlamentares ao TCU, também pediu investigações do Ministério Público e da Corregedoria-Geral da União (CGU). Ao ser informado de que, nessas três semanas, mais 300 milhões de reais foram aprovados para o Maranhão, Solla entendeu que a situação é urgente. “Espero que, com dados tão substantivos, os órgãos de fiscalização venham a realizar auditorias com urgência.” A bancada do Psol está pedindo que o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, compareça à Comissão de Fiscalização e Controle da Câmara para prestar esclarecimentos.
Lucas Rocha Furtado, o subprocurador-geral de contas junto ao TCU, também requisitou a abertura de uma investigação para apurar a falsificação de dados e a suspeita de que as verbas do orçamento secreto circulam à base de pagamento de propinas – prática conhecida como “volta”. Furtado também quer que o TCU verifique quais as providências que o Ministério da Saúde vem adotando para combater a fraude nos dados informados ao SUS. À piauí, a assessoria do ministério mandou uma nota no dia 1º de julho dizendo que detectara problemas “em alguns municípios” e prometendo abrir uma auditoria “nos próximos dias”.
Nesta terça-feira, a piauí perguntou ao Ministério da Saúde se alguma auditoria havia sido aberta e também pediu informações adicionais a respeito dos problemas encontrados em “alguns municípios”. Por fim, a revista solicitou uma avaliação do ministro Marcelo Queiroga sobre as suspeitas de fraudes no SUS. A resposta, enviada à revista por e-mail, diz o seguinte: “O Ministério da Saúde informa que o processo para auditoria do caso já foi instaurado e tramita em sigilo”. Não deixa de ser adequado para uma investigação que envolve um orçamento secreto.
Fonte: Revista Piauí