AGU revoga parecer que limitava acúmulo de cargos públicos a 60h

Notícia Geral

É inválida a regulamentação administrativa que impõe limitação de carga horária semanal como empecilho para a acumulação de cargos públicos. Esta é a tese firmada pelo plenário da Advocacia-Geral da União ao revogar e pedir a revisão do Parecer GQ-145 que limitava a 60h semanais a jornada total no acúmulo de cargos públicos.

O parecer foi enviado à presidência da República e, se sancionado por Jair Bolsonaro, vai virar lei.

O caso analisado dizia respeito à acumulação de dois cargos públicos com carga horária de 40 horas semanais, um de membro da Advocacia-Geral da União e outro de professor em Universidade Federal.

A conclusão adotada foi no sentido de que é ilícita a acumulação de cargos ou empregos públicos que sujeitem o servidor a regimes de trabalho que totalizem carga horária de 80 horas semanais, tendo em vista a impossibilidade fática de harmonização de horários, e é lícita a acumulação de 60 horas desde que comprovada a ausência de sobreposição entre os horários de início e fim das jornadas de trabalho.

O colegiado analisou processos da Procuradora da Fazenda Nacional remetidos à Câmara Nacional de Uniformização de Entendimentos Consultivos que tratam da revisão do entendimento adotado no Parecer GQ-145. Prevaleceu o entendimento do relator, o advogado da União Rafael Figueiredo Fulgêncio. Para ele, o tema da compatibilidade de horários para a acumulação de cargos públicos é dos mais controvertidos do Direito Administrativo.

“Prova disso é a diversidade de opiniões que se encontra na doutrina a respeito do assunto e, especialmente, a hesitação observada na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal de Contas da União, que, em curto espaço de tempo, adotaram entendimentos diametralmente opostos sobre a matéria”, diz.

Segundo ele, a eventual definição da carga horária máxima passível de ser assumida pelos servidores públicos dedicados a determinadas funções ou postos de trabalho é matéria reservada à lei, cabendo ao Congresso Nacional a regulamentação do requisito constitucional da compatibilidade de horários.

“É importante ressaltar, porém, que a mera inexistência de sobreposição de horários não é suficiente, por si só, para atestar a licitude da acumulação de cargos, cabendo a cada um dos órgãos e entidades públicos envolvidos a efetiva verificação da ausência de prejuízo às atividades exercidas em ambos os vínculos com a Administração Pública”, aponta.

Segundo o relator, a política de limitação da duração do trabalho tem como objetivo a garantia de condições dignas ao trabalhador, preservando sua saúde e a segurança do local de trabalho e permitindo a harmonização de sua ocupação profissional com sua vida familiar e afetiva.

“Podemos dizer que há uma realização de valores estruturais de nosso sistema constitucional. A decisão adotada na Constituição de 1988 de garantir ao trabalhador e, mais especificamente, ao servidor público jornada de trabalho com duração máxima de oito horas diárias e 44 semanais, está alinhada com as diretrizes da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que, em relatório publicado no ano de 2009, aponta como insalubre o trabalho em jornada regular de 50 horas semanais.”

Em outra linha de argumentação pertinente à discussão, o relator cita o princípio da eficiência do serviço público.

“Devemos ponderar o fato de que o servidor público que se sujeita a carga horária de trabalho excessiva tem, naturalmente, seu rendimento diminuído, acarretando potencial prejuízo ao funcionamento das estruturas administrativas nas quais inserido. A melhor orientação a ser dirigida à Administração Pública Federal no presente momento é a que se extrai da jurisprudência do STF e do TCU. Segundo eles, a compatibilidade de horários deve se basear na análise da situação fática a que se submete o servidor público interessado, sendo insuficiente o cotejo do somatório de horas resultante da acumulação com padrão estabelecido em ato infralegal”, avalia.

De acordo com o advogado da União, a Constituição de 1988, ao definir as hipóteses de acumulação de cargos públicos, não estabeleceu qualquer limite de carga horária, orientação que foi seguida pela legislação ordinária.

“Assim, carece de fundamento legal a decisão administrativa que veda a acumulação de cargos públicos com base em presunção absoluta de incompatibilidade de horários decorrente da mera extrapolação de carga horária prevista abstratamente. A corroborar tal entendimento, tem-se que o legislador ordinário, nas hipóteses em que decide pela necessidade de limitação das atividades profissionais dos servidores que exercem determinadas funções públicas, vem sujeitando-lhes a regimes diferenciados”, explica.

Na prática
A questão do requisito constitucional da compatibilidade de horários para a acumulação remunerada de cargos ou empregos públicos foi equacionada no âmbito do serviço público federal pelo Parecer GQ-145, aprovado pela Presidência da República no ano de 1998.

A acumulação de cargos, empregos e funções públicas desde há muito tempo é tratada como possibilidade excepcional no Direito brasileiro, pois a regra é o exercício de um único cargo, emprego ou função, subordinado ao regime de dedicação integral. A Constituição de 1988 seguiu a tradição.

Entretanto, em 1998, a AGU emitiu o Parecer GQ-145, com força vinculativa para a administração federal, no sentido de que “a acumulação de cargos públicos exige compatibilidade de horários para ser considerada legal, sendo o limite máximo do somatório das jornadas de trabalho 60 horas”.

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