Juca Guimarães, do R7
Nem da Rocinha era próximo de Bruno, que agia como “garoto-propaganda” do tráfico
Nos tempos de ídolo da torcida do Flamengo, no Rio de Janeiro, o goleiro Bruno, 32 anos, era um convidado especial e frequente nas festas e confraternizações organizadas por Antônio Francisco Bonfim Lopes, o Nem da Rocinha, líder da quadrilha que controlava a maior favela da cidade, na zona Sul do Rio, e que está cumprindo pena de 48 anos em um presídio de segurança máxima no Mato Grosso do Sul.
Bruno e Nem tinham uma relação muito próxima. O jogador, que atualmente joga no Boa Esporte Clube, de Varginha (MG), agia como como “garoto-propaganda” do tráfico na Rocinha. A amizade com Bruno era uma das formas usadas pelo traficante para exibir seu poder de influência em setores fora da comunidade.
A estreita relação entre Nem e Bruno veio à tona com a prisão de dois traficantes cariocas em Ribeirão das Neves, na Grande Belo Horizonte. Vinicius Barbosa da Silva, 21 anos, e Jonathan Marques Valério Gadiola, 27 anos, foram presos em flagrante no bairro de Florença e disseram às autoridades policiais que eram da Rocinha e da quadrilha do Nem. De acordo com a dupla, ele e o goleiro do Flamengo eram íntimos.
As revelações sobre a amizade de Bruno com o traficante, quando ainda era jogador do Flamengo, foram ouvidas pelos policiais militares que efetuaram a prisão e os policiais civis que estavam na delegacia. A prisão dos traficantes aconteceu em outubro de 2012, cerca de um ano após a prisão de Nem e a pacificação da Rocinha com as instalação da UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora), em novembro de 2011, após décadas de controle do tráfico, primeiro com o Comando Vermelho e depois com a facção ADA (Amigos dos Amigos), da qual fazia parte o Nem.
O Ministério Público de Minas Gerais ou o Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) levaram adiante a investigação da relação entre Nem e Bruno. Segundo o MP-MG, os fatos investigados pelo órgão que resultaram na denúncia oferecida à Justiça contra o goleiro Bruno foram referentes à morte da Eliza Samúdio.
No Boa Esporte Clube, Bruno recebe em torno de R$ 30 mil por mês. O time joga hoje (22), às 17h30, em Varginha, contra o Nacional de Muriaé, na 5ª rodada do grupo C, do módulo 2 do campeonato mineiro, o equivalente a 2ª divisão estadual. A equipe tem cinco pontos e é a antepenúltima colocada do grupo.
Na última quinta-feira (19), o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, apresentou um parecer favorável à revogação da liminar concedida ao goleiro, que possibilitou que ele deixasse o presídio no dia 24 de fevereiro. Se o STF (Supremo Tribunal Federal) acatar, Bruno pode voltar a ser preso nas próximas semanas.
Moradores da Rocinha ouvidos pelo R7, mas que pediram para não serem identificados, afirmaram que se recordam da presença de Bruno na favela, por diversas vezes e em dias de festa do tráfico, durante o período de reinado do Nem.
Bruno foi jogador do Flamengo entre novembro de 2006 e julho de 2010, quando foi demitido após a repercussão do caso Eliza Samúdio, estudante e modelo assassinada em junho de 2010, após ter sido esquartejada em um sitio de propriedade do Bruno, em Esmeraldas, no interior de Minas Gerais. Até hoje o corpo não apareceu.
Eliza conheceu Bruno em maio de 2009, o goleiro era casado. A estudante ficou grávida do jogador que não queria assumir a criança. Em outubro de 2009, grávida, Eliza registra na polícia do Rio de Janeiro uma ocorrência contra Bruno por sequestro, agressão e ameaça.
De acordo com ela, Bruno teria tentado obrigá-la a abortar. Eliza deixa o Rio de Janeiro e se muda para São Paulo, onde vai morar na casa da mãe de uma amiga.
O bebê nasceu em fevereiro de 2010. Entre maio e junho, a modelo esteve no Rio de Janeiro para tentar falar com Bruno. As investigações da polícia apontam que Macarrão (amigo de Bruno) e um rapaz menor de idade teriam levado a estudante e o bebê de quatro meses do Rio de Janeiro para o sítio em Minas no carro do goleiro do Flamengo.
Duas mortes na conta do Nem
Entre as diversas acusações contra o traficante Nem, as mais graves são as mortes e a ocultação dos cadáveres de duas mulheres, em junho de 2011. A modelo Luana Rodrigues de Sousa, que tinha 20 anos, e sua amiga Andressa de Oliveira, de 25.
De acordo com a denúncia do Ministério Público do Rio de Janeiro, a mando de Nem, as duas foram mortas com diversos tiros. Ainda segundo o documento, as duas foram levadas para um local afastado na comunidade, e tiveram seus corpos queimados. Até hoje, os cadáveres das vítimas não foram encontrados.
O motivo do crime, de acordo com o MP, foi o fato de as jovens terem sumido com uma carga de haxixe e de maconha no valor de R$ 300 mil da facção criminosa que dominava a favela da Rocinha.
Nem tem também um histórico longo de violência contra as mulheres. Ele teve sete filhos com quatro companheiras diferentes e a diferença de idade entre alguns dos filhos é menor que nove meses.
Praticamente todas as mulheres de Nem já foram espancadas por ele e/ou ameaçadas de morte. Até as ex-namoradas eram proibidas de ter qualquer tipo de relacionamento com outros homens. Nem tem perfil violento e possessivo.
De acordo com a Justiça do Rio de Janeiro, Nem e outros três traficantes serão levados a júri popular pela morte das duas mulheres. Os advogados do traficante entraram com recursos no STJ (Superior Tribunal de Justiça) para tentar adiar ou cancelar o julgamento.
Durante seis anos do domínio de Nem na Rocinha, foi instituída a prática da execução e queima dos corpos. Pela lógica das facções, adotada pelos traficantes, “sem corpo não há crime”. O local escolhido para a destruição dos cadáveres é conhecida como portão vermelho, na parte alta da favela, próximo de uma das casa do Nem.
No mesmo local, em 2013, o ajudante de pedreiro Amarildo Dias de Souza, foi torturado e assassinado. Só que neste caso, conforme as investigações, os autores do crime foram policiais militares e não traficantes.
Boa Esporte Clube e Flamengo
A diretoria do Boa Esporte Clube foi procurada pelo R7 para comentar a denúncia que o atual goleiro da equipe tinha ligações estreitas com o criminoso mais procurado do Rio de Janeiro.
Também foi solicitada uma entrevista com o atleta para falar sobre o seu relacionamento com o Nem e o que acontecia nas festas e eventos que ele frequentava na Rocinha.
A assessoria de imprensa do Boa Esporte Clube solicitou as perguntas por e-mail, porém, até a manhã deste sábado, não respondeu.
De acordo com o Flamengo, o clube “nunca teve conhecimento de envolvimento do ex-atleta com traficantes” e não havia nenhuma suspeita de envolvimento de Bruno com criminosos da Rocinha.
Além disso, o Flamengo afirmou que a demissão de Bruno, que foi por justa causa, não teve ligação com o envolvimento dele com pessoas suspeitas, “apenas com o crime do qual ele foi acusado de ter cometido”.
Sobre testes de dopping durante o período em que Bruno jogou no Flamengo, o clube disse que ele passou por exames “sempre que sorteado nos jogos”.