A Advocacia-Geral da União (AGU) apresentou um recurso ao Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo esclarecimentos sobre a decisão que determinou a adoção de medidas para evitar o uso do Bolsa Família em apostas esportivas online.
A sentença inicial foi proferida pelo ministro Luiz Fux, em novembro, e confirmada por unanimidade pelo plenário do STF.
No documento de oito páginas, a AGU destaca os desafios práticos para cumprir a determinação do Supremo. Segundo o órgão:
– Contas compartilhadas: As contas do Bolsa Família podem receber recursos de outras fontes além do benefício social, o que dificulta distinguir o que é verba pública e o que é de outras origens.
– Microgerenciamento inviável: É impraticável monitorar ou restringir como cada família usa o dinheiro recebido.
– Compartilhamento de dados proibido: A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) impede o repasse de informações dos beneficiários para empresas de apostas.
– Transações via Pix e cartões pré-pagos: Mesmo com restrições a cartões de débito, os pagamentos podem ser realizados por outras modalidades financeiras, tornando a proibição menos eficaz.
A AGU ressalta que, embora o governo concorde com os princípios da decisão, como a necessidade de proteger economicamente as famílias vulneráveis, implementar as medidas imediatas enfrenta entraves significativos.
“A adoção de ‘medidas imediatas’ encontra barreiras de ordem prática de difícil superação”, destacou a AGU no pedido
De acordo com o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS), responsável pela gestão do programa, há obstáculos técnicos para diferenciar os recursos recebidos via Bolsa Família de outros valores movimentados pelos beneficiários, como os provenientes de trabalhos informais.
O MDS citou um estudo do Banco Mundial, que aponta que 83% dos homens e 41% das mulheres inscritos no programa possuem alguma forma de ocupação.
Dessa forma, qualquer tentativa de monitoramento específico dos gastos esbarra na impossibilidade de um controle nacional eficiente.
Além disso, o ministério lembrou experiências anteriores, como no Programa Fome Zero, criado em 2003, que demonstraram a inviabilidade de regulamentar o uso do benefício em âmbito doméstico.
O Banco Central, consultado pelo governo, afirmou que bloquear o uso de cartões de débito seria tecnicamente possível, mas teria um impacto limitado, pois as apostas poderiam continuar sendo realizadas por outras formas de pagamento, como Pix ou cartões pré-pagos.
Além disso, o compartilhamento de dados pessoais dos beneficiários com empresas de apostas, uma solução sugerida por alguns, não é permitido pela legislação vigente.
Em setembro, um estudo do Banco Central apontou que os brasileiros gastaram, em média, R$ 20 bilhões por mês em apostas online nos meses anteriores.
Somente em agosto, 5 milhões de beneficiários do Bolsa Família transferiram cerca de R$ 3 bilhões às plataformas de apostas via Pix.
O recurso apresentado pela AGU será analisado pelo ministro Luiz Fux, que pode decidir de forma individual ou submeter o tema ao plenário do Supremo. Não há prazo definido para a conclusão.